Quantcast
Channel: Filosofia do Design » Eduardo C. K. Ferreira
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5

Comentário sobre a multi/inter/transdisciplinaridade

$
0
0

Meu post é breve, e nasce com um intuito mais corretivo do que de novidade, e o assunto é a multidisciplinaridade do design. Muita gente afirma que o design é interdisciplinar, e essa transdisciplinaridade do campo é algo que influencia substancialmente sua epistemologia, e torna suas fronteiras demasiada fluidas para se falar de um “é/não é” design.

Sim, atento leitor, eu propositadamente troquei as palavras e misturei tudo no meu parágrafo introdutório. E se você percebeu isso, acho que nem precisa terminar de ler (ou pule para a parte do “O caso do design”). Agora, se achou que faz algum sentido tudo isso que escrevi, talvez tenha algum uso ler até o final, e se quiser, me dizer o que acha da dessa opinião.

O design é multidisciplinar? Ou é interdisciplinar? Ou é transdisciplinar? Ou é tudo sinônimo? A leitura que recomendo para clarificar essa terminologia de maneira universal (ou seja, não apenas no design) é o artigo “Em Busca do Método” do livro Conhecimento e Trandisciplinaridade II, livro organizado por Ivan Domingues.

Resumidamente, Domingues(também autor do texto em questão) versa introdutoriamente sobre a possibilidade de uma teoria genérica transdisciplinar e o que isso significa. Para isso, ele difere explicitamente o sentido de cada um desses termos. Segundo o autor:

1. Multidisciplinaridade:

“Características: a) aproximação de diferentes disciplinas para a solução de problemas específicos; b) diversidade de metodologias: cada disciplina fica com a sua metodologia; c) os campos disciplinares, embora cooperem, guardam suas fronteiras e ficam imunes ao contato” (p.22)

O exemplo que o autor fornece para um projeto ou prática multidisciplinar é a Bomba A. Com equipe formada por físicos, matemáticos, químicos e engenheiros, cada qual tinha sua tarefa muito específica que tinha que exercer, tarefas eminentemente técnicas para se chegar à possibilidade tecnológica da bomba. Entre as tarefas, o autor cita as seguintes: a. físicos: “(teóricos e experimentais): responsabilidade científica do projeto (fundamento teórico-conceptual da bomba), envolvendo modelagens e cálculos, estes levados em conjunto com os matemáticos”; b. químicos: “(…) separar isótopos + purificação dos materiais”; c. engenheiros: “engenhar pbjetos e processos (‘fazedor’)” (p.23).

2. Interdisciplinaridade:

“Características: a) aproximação de campos disciplinares diferentes para a solução de problemas específicos; b) compartilhamento de metodologia; c) após a cooperação, os campos disciplinares se fundem e geram uma disciplina nova” (p.24)

De exemplo, o autor fala da Bioquímica: “aproximação da química e da biologia / compartilhamento da metodologia da química / criação de uma nova disciplina na biologia: bioquímica (outra experiência análoga: biofísica)” (p.24). Outro exemplo que fornece é o Estruturalismo: “levou ao compartilhamento de uma mesma metodologia (a análise estrutural) por várias disciplinas das ciências humanas, como a antropologia, a lingüística e a psicanálise, permitindo sua aproximação” (p.25).

3. Transdisciplinaridade:

“Características: a) aproximação de diferentes disciplinas e áreas do conhecimento; b) compartilhamento de metodologias unificadoras, construídas mediante a articulação de métodos oriundos de várias áreas do conhecimento; c) ocupação das zonas de indefinição e dos domínios de ignorância de diferentes áreas do conhecimento: a ocupação poderá gerar novas disciplinas ou permanecer como zonas livres, circulando-se entre os interstícios disciplinares, de tal forma que a trandisciplinaridade ficará com o movimento, o indefinido e o inconcluso do conhecimento e da pesquisa” (p. 25).

Exemplos? “não há – trata-se de uma utopia” (p.25). O mais perto que se chegou a algo assim, segundo o autor, é a Escola de Sagres, aquela das grandes navegações, mas mais por motivos de pouco desenvolvimento disciplinar àquele momento do que por efetivamente ter-se programado e planejado uma atuação transdisciplinar. Eu arriscaria dizer que o mais perto que chegamos de uma trandisciplinaridade estaria na semiótica peirceana, mas não sei se tenho base suficiente para sustentar isso às últimas consequências. Dou o chute pois seus princípios aplicam-se em estudos de ciências humanas (mais comumente utilizados) e ciências biológicas (já vi exemplos na botânica), até ciencias exatas (computação e sistemas de informação).

O caso do design

Pois bem, depois dessa micro-bibliografia, voltemo-nos ao caso do design. O lugar onde o vejo inserido nesse emaranhado terminológico remete à sua origem e desenvolvimento. Se tomarmos o profissional designer como oriundo de uma necessidade da industria de separação de especialidades da mão-de-obra entre aquele que concebe e aquele que executa/opera a máquina, cabendo a esse que concebe tomar decisões de projeto, uso e configuração do produto, o design decorreria da prática desse profissional (remeto a outras postagens minhas para esclarecer pontos de o porque inicio falando do designer e não do design em si. Se assim quiser, caro leitor, venha para cá e para cá).

Escrevo essa micro-história para lembrar que estamos tratando de uma profissão (e que designers fazem design, mas nem só designers são capazes de fazer design), e que sua prática enquanto profissão tem um início, e que esse início, a meus olhos, configura uma atividade evidentemente interdisciplinar: um conjunto de disciplinas que se juntam para determinada meta, e que ao final do processo original uma nova disciplina. O que defendo é que o design é essa nova disciplina. Mais ainda, acho que esse processo tomou um pouco mais de tempo do que parece à primeira vista. Essa nova disciplina autônoma e com potência de desenvolvimento próprio concretizou-se finalmente apenas na Escola de Ulm, quando há um planejado pensamento para realizar a interação entre a prática da configuração de projetos de interface funcionais pragmáticas, e outras áreas disciplinares que fornecem subsídio a que isso aconteça, e é quando essas disciplinas são efetivamente explicitadas, e fortalecem o conjunto disciplinar do Design, e como ele trabalha com essas outras coisas.

Um último ponto que gostaria de comentar é sobre a tal da metodologia própria da disciplina, que pode ser um ponto polêmico, pois alguém poderia questionar justamente essa pretensa unidade metodológica que uma nova disciplina traz consigo. Ao que eu responderia que isso aparenta ser também um erro de termos. Metodologia é o estudo de métodos daquela disciplina, enquanto o método é sim o passo-a-passo, o caminho para se chegar em algo. Um relaciona-se ao estudo, o outro à prática. E por esse motivo, não tenho muito medo de dizer que sim, o design conseguiu concretizar sua própria metodologia, no sentido de abrir a mata para estudar por conta própria seus próprios métodos de projeto, sem mais precisar apoiar-se em outros métodos de outras disciplinar para isso. Assim, por mais que existam variedades de métodos de se fazer design, há um campo metodológico singular que estuda tais métodos.

Concluíndo, o intuito do post é tentar tornar mais consciente o uso dos termos em questão, e tentar fornecer uma justificativa para a adoção de um deles como onde o design se localiza.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 5

Latest Images

Trending Articles



Latest Images